Os processos de inserção e rejeição sócio-econômica do negro : uma contribuição para a história de Cantagalo

Abstract

Esta dissertação refere-se a um estudo histérico montado sobre os trabalhadores rurais de três localidades cuja população foi predominantemente de origem africana. Essas localidades constituem hoje o distrito de Porto Velho do Cunha, incorporado ao município do Carmo, Sítio dos Crioulos também pertencente ao mesmo município e Quilombo da Floresta integrado à Vila de Santa Rita da Floresta, região ligada ao atual município de Cantagalo. Pertenceram todas essas localidades à antiga e extensa zona de Cantagalo, província do Rio de Janeiro, cujos primórdios históricos datam do final do século XVIII quando a descoberta do ouro na área leste da província marca o início do seu povoamento oficial; mas o fracasso dessa exploração aurífera determinou o incremento da atividade agrícola voltada para o cultivo da cana de açúcar, arroz, milho, feijão e mandioca, que a partir das primeiras décadas do século XIX foi substituída pelo surto da lavoura cafeeira. Para que esse surto agrário pudesse ocorrer a região de Cantagalo teve necessidade de atrair milhares de trabalhadores negros anteriormente fixados no norte e nordeste do país com quais foram transferidos para a província do Rio de Janeiro, ( que de sua parte já possuía seu próprio contingente de escravos) onde conheceram a mesma situação de mercadoria humana à qual já vinham senso subordinados, passando antes pelas mesmas agruras causadas pelo tráfico interprovincial de escravos vividas pelos seus antecessores através do tráfico intercontinental realizado entre o continente africano e as terras das Américas. Os elementos escravos concentrados na região em número superior a trezentos mil trabalhadores, uma das cifras mais altas registradas no país pelos anos de 1860, conheceram não só a primeira etapa de decadência econômica local daquela produção, mas também assistiram os movimentos políticos que redundaram na abolição da escravatura e no estabelecimento do regime republicano no país. Neste aspecto, procurou-se apreender a fase de transição na qual os ex-escravos e seus descendentes passaram a oferecer a sua mão-de-obra na situação de trabalhadores livres prestando serviço na mesma região que desce o período colonial não conseguiu alterar a sua estrutura de organização socioeconômica que tendeu a se perpetuar até pelo menos a década de trinta deste século. Para se captar os momentos históricos transcorridos entra os anos de 1850-1930, época em que se situa cronologicamente este estudo, utilizou-se, além dos tradicionais métodos de pesquisa histórica, da técnica de entrevistas gravadas com indivíduos descendentes de africanos cujos antepassados participaram das situações históricas que se procuram analisar. Na situação de trabalhadores, quer aquela de prestação de serviço a um superior ou na situação de gestante ou mesmo de fazendeiros, esses elementos negros entregaram-se com arrojo à segunda fase da produção cafeeira ocorrida em Cantagalo que apoiada em uma estrutura falida de produção acabou por levá-las a dependência que teve seu desfecho no final da década. Mantiveram-se, todavia socialmente organizados e apoiados no grupo familiar, único elemento capaz de faze-los reivindicar as terras de sua propriedade que a sociedade atual vem tentando destituir-lhes; o que levou a constatação de que tais terras foram obtidas através de um movimento conjunto de negros que, nos séculos anteriores, apoderaram-se de grande parte daquela região, mas que conduzidos pela concepção individualista e competitiva da sociedade de classes, que passou a caracterizar a organização republicana, acabaram por isolar-se familiarmente, afastando-se da força unitária que possibilitou-lhes o acesso à propriedade rural era uma sociedade ainda escravista, e que hoje os leva a ignorar que o movimento de luta pela reconquista das terras que cada família enfrenta, isoladamente, faz parte de um mesmo processo de luta social que foi truncado por influências adversas à sua antiga organização.