“Um caquinho de vidro, parece que não tem como colar” : riscos psicossociais, acidente e adoecimento do trabalhador brasileiro

Abstract

Esta tese tem como objetivo geral analisar os riscos psicossociais e suas implicações para a inter-relação das causas de afastamento pelo trabalho, tanto por adoecimento quanto por acidentes, e como objetivos específicos caracterizar os riscos psicossociais relacionados ao trabalho, analisar as causas dos afastamentos, identificar os riscos psicossociais que estão na base das inter-relações com adoecimento e acidente de trabalho, e, apresentar a abordagem dos riscos psicossociais que inclui os fatores da organização do trabalho, do estilo de gestão e funcionamento organizacional, sofrimento patogênico e danos, estabelecendo relações com os afastamentos. Este estudo justificou-se dada a variabilidade de conceitos existentes a respeito dos riscos psicossociais e suas implicações para o adoecimento mental e físico do trabalhador, fato que contribui para confusão conceitual e invisibilidade desses riscos, e dado o cenário de afastamentos do trabalho no Brasil. Para se chegar a essa temática foi realizada pesquisa bibliográfica que resultou como causas dos acidentes de trabalho os riscos de natureza tangível, tais como riscos físicos, químicos e ergonômicos, e como causas dos Transtornos Mentais e Comportamentais (TMC) os riscos psicossociais. Poucas pesquisas relacionam os riscos psicossociais a afastamentos por doenças de ordem física, em geral esses riscos se relacionam com psicopatologias. Essa atribuição conceitual linear de causa e efeito faz parecer que há uma separação na relação entre os riscos e suas consequências, contudo, a organização do trabalho também está na gênese dos acidentes de trabalho e do adoecimento, mesmo doenças de ordem física. Assim, esta tese defende a ideia de que as condições físicas fazem parte da própria organização do trabalho, caracterizando, assim, um risco psicossocial que pode gerar tanto acidentes quanto adoecimento de qualquer tipo, seja físico ou mental, uma vez que a base comum dessas doenças é uma só: o trabalho. O método se configurou em um estudo empírico de perspectiva qualitativa, composto por pesquisa bibliográfica, análise de conteúdo dedutivo categorial e Memoriais de Histórias do Trabalho. A amostra foi do tipo não probabilística e por conveniência composta por sete trabalhadores acometidos por doenças comprovadamente originárias no ambiente de trabalho, de setores público e privado. Esta tese evidenciou que os riscos psicossociais funcionam nas organizações de forma conjunta a outros riscos ocupacionais, tais como os biológicos, físicos, químicos, ergonômicos e outros, e eles agem de forma simultânea em um movimento complexo e caótico, e não linear como difundido na literatura. Sobre os ambientes organizacionais existe ainda a influência de fatores externos, que também contribuem ou não para o surgimento, manutenção ou mitigação desses riscos, tais como o contexto político, econômico, social e histórico-cultural, uma vez que esses fatores influenciam diretamente no arcabouço legal que protege o trabalhador. Uma reflexão foi feita a respeito do quanto a Psicologia Organizacional contribui para a manutenção da invisibilidade e colonialidade dos riscos psicossociais nas organizações, dificultando sua prevenção, uma vez que esses riscos são criados pelos modelos de gestão do cenário macroeconômico capitalista da sociedade de dominação.