dc.description.abstract | Prefácio -
O tema deste 3º Seminário “Perspectivas Críticas sobre o Trabalho no
Turismo”, realizado virtualmente, é “O futuro do trabalho no turismo”. Nesta
edição, procuramos refletir sobre as tendências do futuro do trabalho no
turismo, tendo em vista os avanços tecnológicos da indústria 4.0 e o contexto
de desregulamentação das relações de trabalho.
Ainda que seja impossível determinar com certeza como será o futuro do
mundo da hospitalidade e do turismo, com a incorporação de tecnologia e
processos de automação em atividades que, até poucos anos atrás, pareciam
impossíveis de serem realizadas por máquinas, os serviços de atendimento e
comunicação com os clientes têm sido progressivamente automatizados, por
exemplo, reduzindo o quadro de trabalhadores e exigindo novas habilidades e
conhecimentos daqueles que continuam trabalhando. O que podemos ter
certeza é que o capital seguirá implacável em seu movimento para intensificar
o trabalho dos trabalhadores. A tecnologia não serve aos trabalhadores, apesar
de ter potencial para isso, mas ao capital, desenvolvida e empregada para
reduzir custos e aumentar a extração de mais-valia.
A intensificação das jornadas de trabalho são, historicamente, resultado
direto da tensão entre classe burguesa e trabalhadora. O emprego da
tecnologia, infelizmente, é voltado para aumentar a exploração, invadir o tempo
de não trabalho e até promover a vigilância e controle dos trabalhadores. A
única forma de resistir reside na organização dos(as) trabalhadores(as) do
turismo e do fortalecimento das categorias profissionais que compõem esse
grupo heterogêneo de trabalhadores e trabalhadoras. É também no âmbito
dessa organização que reside a importância de se pautar este e outros
assuntos no ensino universitário e nos eventos acadêmicos de turismo, sem
nos deixarmos iludir pelas armadilhas do mercado.
O texto que abre estes Anais é de autoria de Lourival José de Oliveira,
uma síntese de sua apresentação na Mesa Redonda Legislação flexível,
contrato de trabalho flexível: será o fim do emprego no turismo?, intitulada “A
desvalorização do trabalho humano no século XXI e o descumprimento aos
princípios constitucionais no Brasil”. A partir de uma abordagem jurídica, o autor
questiona o significado da expressão trabalho livre em sua dimensão
constitucional, compreendida como aquele trabalho que, contrariando a lógica
do mercado, é suficiente para prover o trabalhador do necessário para sua
sobrevivência, assim como uma vida mais ampla, com valorização efetiva da
pessoa humana. Para tanto, Oliveira vale-se da crítica à lógica da produção, e
a necessidade de se criar mecanismos de intervenções nas relações de
trabalho que sejam capazes de restabelecer a dignidade no trabalho. Esta
crítica está incorporada aos princípios constitucionais, na medida em que o
desenvolvimento econômico só se justifica a partir da valorização do trabalho
humano.
Em seguida, o texto “Da cana de açúcar ao turismo: desenvolvimento
desigual e combinado na política econômica de Maragogi/AL”, de autoria de
Artemísia dos Santos Soares e Fabiano Duarte Machado, reflete sobre as
forças político-econômicas e as contradições estruturais que sustentam o
crescimento da atividade turística no município de Maragogi, no estado de
Alagoas, traçando um panorama histórico do processo de reprodução da
opressão a partir da divisão territorial do trabalho na cultura canavieira. A
análise é realizada à luz da teoria do desenvolvimento desigual e combinado
do capitalismo, a qual defende a ideia de que há territórios nos quais um setor
extremamente moderno da economia pode existir concomitantemente a um
mais atrasado, resultando numa formação social sem grandes contradições
entre as classes dominantes, incluindo-se aí o turismo e seus reflexos.
Felipe Zaltron de Sá, Carlos Eduardo Haas Hammes, Geovana Bacim e
Alan Minzon Wilson assinam os dois textos seguintes, “Trabalho Estranhado,
Estranho Familiar e Estranhamento: Como explorar estes conceitos para o
Turismo” e “Existe inovação no trabalho estranhado do Turismo?”. O primeiro,
em tom de ensaio, explora o binômio turismo e estranhamento. Os autores
tomam três conceitos como pontos de partida: trabalho estranhado (de Marx),
a ideia de estranho familiar (conceitos de Freud e Jung de Campos) e
estranhamento (Gastal & Moesch).
No segundo, os autores adotam perspectiva marxista para indagar a
relação entre inovação e trabalho estranhado. A ideia de inovação vem da
análise do Plano Nacional de Turismo 2018/2022, numa abordagem, segundo
os autores, que silencia e apaga o trabalhador, pois responde às necessidades
e exigências do capital.
“Da Coleta do Pau-rosa (Aniba roseadora) ao uso da ictiofauna para o
turismo: novas formas de exploração da natureza, velhas práticas e relações
de trabalho” é a contribuição de Mayra Laborda Santos e Elenise Faria Scherer.
Neste texto, as autoras trazem o histórico das dinâmicas de trabalho em torno
dos recursos naturais na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do
Uatumã/Amazonas que antecederam e/ou coexistem com o turismo de pesca
que atualmente se realiza na região, numa dinâmica permeada por vários
conflitos, tanto entre os trabalhadores da Reserva quanto entre estes e os
agentes externos do turismo, como os proprietários de barco-hotéis.
O texto “Tem que tirar o black”: mulheres negras e os violentos processos
de seleção de emprego na aviação brasileira”, de autoria de Natália Araújo de
Oliveira, Cassiana Panissa Gabrielli, Gabriela Nicolau Santos e Laiara Borges
Amorim analisa o racismo a partir da perspectiva interseccional nos processos
seletivos das mulheres negras tripulantes da aviação comercial brasileira. O
foco da análise reside no cabelo dessas mulheres, que possui também um
caráter simbólico, e confronta diretamente um determinado “perfil profissional”
cujas características estão pautadas na branquitude.
Em “Turismo: privilégio, prazer, repouso e servidão nas páginas da Vida
Doméstica: Revista do Lar e da Mulher (1920 - 1930)”, que encerra essa
publicação, os autores trazem uma perspectiva histórica ao analisarem o
tratamento do turismo na revista “Vida Doméstica: Revista do Lar e da Mulher”,
uma publicação carioca que, evidentemente, tinha como público alvo as
mulheres, entre 1920 e 1930. Os autores encontraram uma campanha de
valorização do turismo nacional nas páginas da revista, assim como temas
relacionados às questões de gênero, classe social, trabalhadores e
trabalhadoras do turismo.
Pode-se dizer que, a partir dos textos apresentados pelos autores e
autoras que integram esses Anais, o futuro do trabalho no turismo infelizmente
não parece muito promissor. Uma abordagem historicizada dos temas revela
muitos nexos de permanência entre o passado e o presente, que terão
desdobramentos no futuro. Os textos apontam para estruturas de dominação e
exploração, tanto simbólicas quanto materiais, tanto cotidianas quanto
históricas, que passam por mudanças e transformações ao longo do tempo,
que se adaptam a novas situações, que utilizam outras linguagens e
instrumentos, mas que seguem firmes contribuindo com as forças do capital.
Artemísia dos Santos Soares - Docente IFAL Maragogi; Bianca Briguglio - Socióloga/UNICAMP | pt_BR |