Trovar e reinar : o papel político das cantigas galego-portuguesas (Portugal, séc. XIII e XIV)

Abstract

D. Dinis (1261 – 1325) foi o sexto rei de Portugal. A historiografia, de forma geral, apresenta seu reinado como exemplo de eficácia política, na medida em que, nessa época, terse-iam implementado medidas para “centralizar” o poder. Contudo, D. Dinis foi também trovador, legando à posteridade os mais famosos cancioneiros da lírica galego-portuguesa. Este papel foi pouco explorado sob o viés político, tendo sido, muitas vezes, considerado apenas como aspecto que agregava a um monarca – já competente – outras qualidades, como as de ser culto e sábio. Relativamente a tais capacidades, esta tese se propõe a analisá-las em uma perspectiva política, chegando mesmo a avaliar a hipótese de que o rei tenha governado também por meio das cantigas e de que o ato de trovar faria parte, naquele contexto, do processo de instituição da monarquia. As fontes documentais que permitem desenvolver a tese são as três grandes coletas manuscritas que guardam a totalidade das cantigas: O Cancioneiro da Ajuda, da Biblioteca Nacional de Portugal e da Vaticana. Também se fez necessário analisar os dois pergaminhos que contêm as melodias profanas galego-portuguesas: os pergaminhos Vindel e Sharrer. O primeiro traz sete cantigas de amigo de Martim Codax, e, o segundo, sete cantigas de amor do rei D. Dinis. Além destes, estudaram-se as dezesseis iluminuras do Cancioneiro da Ajuda, representando trovadores e jograis em situação de performance. Em termos teóricos, entendemos a performance como uma realização discursiva, um “ato de fala”, pelo qual a monarquia e a aristocracia atuam politicamente. A poesia lírica articula uma gramática jurídica e social, fundamentada nos valores dos vínculos de serviço e benefício que modelam a sociedade portuguesa daquele período. Tal perspectiva teórica permitiu interpretar a documentação de maneira distinta daquela que costuma privilegiar “evidências” que ressaltam atos e medidas régias que apontariam para características de tipo centralistas e monopolistas do poder. Procurou-se mostrar que, a partir de pressupostos teóricos e metodologias menos anacrônicos é possível construir um objeto de estudo mais complexo e contrastado. O modelo corporativo, nesse sentido, mostrou-se mais operativo que o dito “centralista”, permitindo, por exemplo, reconhecer que D. Dinis também “dizia justiça” por meio das cantigas. Sob este entendimento, as cantigas são expressão de uma política pluralista, do ponto de vista jurídico. As cantigas, em performance, atuam neste cenário político e o rei, ao trovar, também reina.