Agrotóxicos em águas doces superficiais : contexto global, avaliação crítica da legislação brasileira e estudo de caso da Bacia Hidrográfica do Rio Preto - DF

Abstract

A água doce superficial é um recurso natural necessário para a manutenção dos ecossistemas, consumo humano e desenvolvimento de suas atividades. Contudo, também está sujeita a contaminações diversas decorrentes do uso da terra, incluindo a atividade agrícola com o uso de agrotóxicos. O objetivo deste trabalho foi analisar cenários sobre a contaminação da água doce superficial por agrotóxicos a partir das escalas global, nacional e regional. O cenário global de contaminação foi avaliado por meio de uma revisão sistemática de estudos sobre agrotóxicos na água doce superficial. Dentre os 146 trabalhos retornados numa série histórica de 46 anos, Estados Unidos foi o país que mais realizou estudos, o herbicida atrazina foi o agrotóxico mais avaliado e detectado e algumas das suas maiores concentrações sugeriam riscos de toxicidade para organismos aquáticos. No âmbito nacional, os valores máximos (VMs) de agrotóxicos previstos para as classes de água doce da Resolução CONAMA N° 357/2005 foram comparados com dados ecotoxicológicos publicados na literatura e em bases de dados para o cálculo do quociente de risco (QR). Dos 534 testes realizados em 31 estudos e em três bases de dados, espécies modelos do gênero Daphnia foram as mais utilizadas e atrazina o agrotóxico mais testado. Os QRs estimados para 16 agrotóxicos estavam acima do limite de preocupação e indicaram um potencial risco para a biota aquática, evidenciando a necessidade de atualização da resolução. No âmbito regional, amostras de água superficial da Bacia Hidrográfica do Rio Preto no Distrito Federal, sua principal bacia agrícola, foram avaliadas quanto à presença de 81 agrotóxicos de classes e grupos químicos diversos. Amostras coletadas em 19 pontos da bacia, em quatro campanhas, duas no período de seca (2021) e duas no período de chuva (2022), foram analisadas utilizando cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas sequencial (LC-MS/MS). Das 76 amostras analisadas, 86.8% (66) foram positivas para ao menos um composto, sendo 14 agrotóxicos e dois produtos de degradação, dos quais dois possuem uso proibido no país. O inseticida e acaricida acefato foi encontrado na maior concentração (2.59 μg/L). O QR indicou que pirimifós-metílico, fipronil, tiametoxam, carbendazim e atrazina estavam presentes em concentrações que representam potenciais riscos para a biota aquática. Embora as concentrações de atrazina e glifosato, únicos que possuem VMs previstos na CONAMA N° 357/2005, estejam em conformidade com a legislação, o QR avaliado indicou que o VM estabelecido para atrazina não é seguro para a biota aquática. Os resultados deste estudo mostram que a presença de agrotóxicos em águas superficiais é um problema global. A Resolução CONAMA N° 357/2005 precisa de atualização, tanto quanto à lista de agrotóxicos incluídos quanto aos seus VMs, de maneira a garantir a proteção dos organismos aquáticos.