A comunicação clínica da sexualidade das mulheres no âmbito da Atenção Primária à Saúde

Abstract

Introdução: a despeito dos extensos debates e produções científicas em torno da sexualidade no presente, ela ainda ocupa um terreno de disputas atravessado por diversos discursos normativos e hegemônicos, marcados pela regulação dos corpos – e, consequentemente, das expressões da sexualidade – sob o exercício de poderes de ordem política, econômica, religiosa, jurídica, cultural e moral. É nesse cenário que a medicina, diante da crescente demanda relacionada a questões sexuais na prática clínica, tem sido convocada a se posicionar sobre a comunicação e o ensino da sexualidade na formação de seus profissionais; convocação a que esta pesquisa busca responder ao investigar, como ponto de partida, a percepção de professoras/es, preceptoras/es e residentes em medicina de família e comunidade sobre a comunicação da sexualidade em consultas no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS). Objetivo geral:analisar a comunicação clínica da sexualidade, com enfoque na sexualidade das mulheres, em sua abordagem por profissionais atuantes em Programas de Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade (PRMMFC) da rede de APS do Distrito Federal (DF). Objetivos específicos: mapear e analisar casos e narrativas sobre a abordagem da sexualidade, relacionando-as à prática da comunicação clínica em consultas de mulheres; caracterizar concepções de médicas/os de família sobre a abordagem da sexualidade das mulheres; identificar dificuldades e estratégias de profissionais de saúde quanto à comunicação clínica da sexualidade no contexto da pesquisa. Método: trata-se de uma pesquisa qualitativa realizada sob a triangulação de métodos de análise e coleta de dados, incluindo a abordagem compreensiva segundo a hermenêutica-dialética de HansGeorg Gadamer e Jürgen Habermas, a entrevista narrativa e o grupo focal. As/os participantes da pesquisa são profissionais de medicina de família e comunidade vinculados a PRM-MFC do DF de três instituições: Universidade de Brasília (UnB), Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS) e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A coleta de dados envolveu 04 grupos focais e 09 entrevistas, totalizando 50 participantes. Resultados: foram identificados desafios e lacunas formativas nas habilidades de comunicação, bem como inseguranças e sensação de despreparo no atendimento clínico de médicas/os quanto à abordagem da sexualidade das mulheres. As inúmeras barreiras à comunicação clínica da sexualidade identificadas e analisadas na pesquisa foram classificadas em categorias: barreiras relacionadas às/aos pacientes; barreiras estruturais dos serviços de saúde da APS; barreiras técnicas e formativas; barreiras relacionadas à relação médica/o-paciente; barreiras relacionadas à população LGBTQIA+; barreiras relacionadas à população idosa; barreiras relacionadas à abordagem da violência; barreiras interculturais; e barreiras na intersecção entre sexualidade e religião. Em contrapartida, observou-se grande interesse pelo aprimoramento da comunicação clínica em sexualidade entre as/os profissionais participantes. Conclusão: a sexualidade revela-se como uma demanda prevalente no cotidiano assistencial da APS e um componente central da saúde integral, mas há um distanciamento acentuado entre as propostas da Organização Mundial da Saúde à sua abordagem e as práticas observadas na clínica médica. O estudo sugere que a identificação das barreiras à comunicação da sexualidade no contexto da APS representa um processo indispensável ao avanço teórico, prático e pedagógico no campo, permitindo a elaboração e aplicação dos recursos necessários para superá-las na formação médica.