Saúde, alimentação e nutrição de mulheres e crianças : um retrato de comunidades remanescentes de quilombos em Goiás, Brasil

Abstract

Objetivo: Avaliar práticas alimentares e aspectos de saúde e nutrição de mulheres e crianças menores de 5 anos em comunidades quilombolas certificadas em Goiás. Metodologia: estudo de abordagem metodológica mista, com um componente qualitativo e um quantitativo de delineamento transversal. A pesquisa foi realizada em nove comunidades quilombolas rurais, certificadas e não tituladas do estado de Goiás nos anos de 2017 a 2019. No componente qualitativo foi realizado um grupo focal com avós (n=4) e um com mães (n=12) de crianças menores de 5 anos de uma das comunidades incluídas na pesquisa. A análise dos dados foi baseada na análise de conteúdo, modalidade temática. Foi construído um modelo conceitual multinível baseado no modelo sociológico, que guiou a discussão do material empírico. O componente quantitativo envolveu 203 mulheres e 73 crianças entre 0 e 59 meses de nove comunidades quilombolas. A coleta e análise dos dados incluiu: variáveis demográficas, socioeconômicas, segurança alimentar e nutricional, de saúde das crianças, dados antropométricos para avaliação do estado nutricional de mulheres e crianças e consumo alimentar. Avaliou-se a alimentação de mulheres e crianças usando os indicadores de diversidade da dieta, consumo de alimentos ultraprocessados e qualidade da dieta. Foram realizadas análises descritivas e de qui-quadrado para verificar a associação entre variáveis socioeconômicas e a qualidade da dieta. Resultados: no componente qualitativo, emergiram 4 temas principais da análise: motivos para amamentar; fatores que influenciam negativamente o aleitamento; introdução da alimentação complementar; rede de suporte, composta pela dimensão familiar/comunitária e serviços de saúde. Identificou-se uma importante influência das práticas e conhecimentos intergeracionais, especialmente das avós, na alimentação infantil. O componente quantitativo evidenciou indicadores sociais, econômicos e de saúde desfavoráveis. A alimentação de mulheres e crianças se caracteriza por baixa diversidade e qualidade e elevado consumo de ultraprocessados. A diversidade da dieta se associou positivamente à maior renda (p<0,001), não participação em programa de transferência de renda (p=0,038) e à maior escolaridade (p<0,001) para as mulheres e ao menor número de moradores no domicílio (p=0,046), classificação socioeconômica B/C (p=0,018) e dieta diversa materna (p<0,001) para as crianças. A baixa qualidade da dieta se associou à menor renda (p<0,001) para as mulheres e em crianças, à menor diversidade da dieta materna (p=0,046). Conclusões: as práticas alimentares infantis nas comunidades quilombolas são fortemente moldadas pelos conhecimentos e práticas intergeracionais. Mulheres e crianças quilombolas vivem em condições precárias e a maior qualidade da dieta está associada à melhores condições socioeconômicas. É urgente a implementação de políticas efetivas para garantir o cumprimento de direitos e a promoção da alimentação adequada e saudável, considerando as peculiaridades e sociais da população quilombola.