Análise bioética dos sentidos atribuídos sobre o aborto na Audiência Pública da ADPF n.º 442 do STF

Abstract

O tema aborto ocupa, historicamente, um lugar central no campo das discussões bioéticas por evocar um debate ardoroso sobre princípios e valores morais da sociedade, afetando diretamente interesses religiosos, econômicos e políticos. Contudo, no campo dessas problematizações, figuram os corpos femininos dos países periféricos, onde a criminalização do aborto repercute na vida da mulher como um todo. Nesse sentido, o presente estudo analisou os discursos presentes na Audiência Pública ocorrida nos dias 3 e 6 de agosto de 2018, referente à Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional n.º 442, do Supremo Tribunal Federal, que possui como objeto o argumento de não receptividade constitucional dos artigos 124 e 126 do Código Penal, que tratam da criminalização do aborto. Nessa audiência, foram ouvidos representantes de entidades da área da saúde, institutos de pesquisa e universidades, organizações civis e instituições de natureza religiosa e jurídica. A ação foi proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade, que busca o reconhecimento constitucional da ideia de legalidade do aborto nos três primeiros meses de gravidez. Nesse contexto, se objetivou identificar os sentidos presentes nos depoimentos dos expositores, na perspectiva de compreensão das considerações bioéticas conferidas às consequências da criminalização do aborto, além dos principais argumentos que poderiam subsidiar e determinar o rumo futuro do julgamento final de mérito da Corte. A análise dos discursos de 54 expositores das entidades representadas evidenciou que os argumentos utilizados em relação ao aborto abarcaram a sacralidade da vida, a laicidade do Estado, a criminalização como estigma e a discriminação da mulher, além das vulnerabilidades sociais e outras no campo da saúde pública. Resta evidente que o tema ultrapassa os limites jurídicos e deve ser analisado à luz da bioética, em razão de sua natureza multi e interdisciplinar, que proporciona suportes técnicos e filosóficos para um julgamento que priorize a justiça, sendo evidenciado, portanto, novos caminhos para esse debate em razão da jurisprudência que atualmente firmou-se na Corte.