Governança digital do combate à violência online de gênero : análise de estratégias de organizações de resistência sob a perspectiva do processo de construção do problema público

Abstract

O presente trabalho debruçou-se sobre a governança digital do combate à violência online de gênero, sob a perspectiva da construção do problema público, o processo pelo qual a sociedade é mobilizada para que um determinado desafio seja resolvido (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012b). À frente de tal processo estão o que denominamos, com base nos conceitos de Foucault (2019; 2006; 1992) e Lascoumes e Les Galès (2012b), como organizações de resistência, organismos que se opõem a um poder e advogam determinada causa ou desafio, significando, legitimando e pautando-o na ação pública, de forma que seja reconhecido social e politicamente como prioritário e digno de atenção e intervenção governamental. Nosso problema de pesquisa foi investigar quais as estratégias utilizadas por organizações de resistência de abrangências internacional, latino-americana e nacional no processo de transformação da violência online de gênero em problema público e seu enfrentamento. O objetivo geral foi compreender os mecanismos políticos, institucionais e socio-técnicos que orientam as práticas de governança digital voltadas ao combate à violência online de gênero, contribuindo para o enfrentamento dessa modalidade de violência. Para tanto, em um primeiro momento, realizamos duas revisões sistemáticas de literatura, a fim de apresentar um estado da arte dos conceitos de governança digital e violência online de gênero e propor uma conceituação para a governança digital do combate à violência online de gênero. No segundo momento, apresentamos os princípios teórico-metodológicos que guiaram o olhar da pesquisa: os conceitos de poder e resistência (FOUCAULT, 2019; 2006; 1992) e Sociologia da Ação Pública (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012a, 2012b). A partir dos conceitos trabalhados, utilizamos a técnica da tipologia (COLLIER et al, 2012) para construir dois modelos de análise, a fim de identificar as organizações de resistência (modelo um) e analisar três destas organizações (modelo dois). O segundo modelo de análise possuiu três dimensões, “estratégias de significação”; “estratégias de interpretação”; e “estratégias de responsabilização e reivindicação”, buscando orientar o olhar na descrição e análise das estratégias para a construção do problema público (COLLIER et al, 2012). Com o modelo de análise como guia, realizamos uma etnografia virtual em três organizações de resistência: a Associação para o Progresso das Comunicações – APC, em nível internacional; a Derechos Digitales – DD, em nível latino-americano; e o InternetLab, em nível nacional. Concluímos que a APC e a DD possuem estratégias de significação mais estabelecidas do que o InternetLab. Nas estratégias de interpretação, observamos que todas as organizações têm excelente relacionamento com outras organizações do terceiro setor, mas precisam melhorar seus diálogos com a academia e, principalmente, com a mídia. Por fim, com relação às estratégias de responsabilização e reivindicação, observamos que a violência online de gênero finalmente parece extrapolar a esfera da militância e ganhar atenção de autoridades político- estatais, que a reconhecem como um problema público que necessita de atenção político- administrativa para que encontre resolução.