Pós verdade, impactos e desafios para a educação escolar : reflexões psicanalíticas

Abstract

Neste estudo, inicialmente, fizemos um resgate histórico do conceito de verdade em diferentes épocas, demonstrando que seu ordenamento ético (mitologias, Deus e razão) e valor social mudam no transcorrer do tempo. Destacou-se que, com o advento da Modernidade, a ciência passou a ocupar o lugar de verdade, por meio dos consensos estabelecidos pela comunidade científica. Ressalta-se que a teoria psicanalítica, que é um campo de conhecimento inaugurado por Freud na Modernidade, teceu duras críticas ao cientificismo, ou seja, à estandardização dos métodos das ciências naturais para todas as sistematizações, ignorando-se a diversidade dos objetos de estudo. A partir da segunda metade do século XX, a credibilidade da ciência passou a ser questionada pelos pensadores pós-modernos. Na contemporaneidade, vimos emergir o que se denomina como o fenômeno social da pós-verdade, isto é, um rechaço da noção da verdade. As fake news e a desinformação nas redes sociais são frutos desse fenômeno, com implicações na política, na ciência, na mídia e também na educação escolar. Os efeitos desse fenômeno social precisam ser estudados, na medida em que promove a despolitização, negacionismo científico, polarização de grupos sociais e tensionamento das relações de professores e estudantes na escola. A tese que apresentamos sublinha a importância de mudanças na sala de aula para enfrentar tais questões: que professores se desloquem de uma posição hierárquica e cientificista, abrindo espaço para uma escuta qualificada dos estudantes e façam a mediação do ensino das ciências como uma produção cultural, utilizando em suas práticas também o letramento digital. A nosso ver, essas posturas podem vir a contribuir para que os estudantes tenham uma visão crítica sobre o fenômeno social da pós-verdade, que descaracteriza a construção de consensos pela ciência e engendra a relativização radical sobre a verdade. Considerando a atualidade do tema da pesquisa, para apresentar essa tese realizou-se uma pesquisa bibliográfica e estudos teóricos para uma compreensão própria desse fenômeno social; realizou-se também uma pesquisa de campo com professores do ensino médio do campus Taguatinga do Instituto Federal de Brasília, para verificar os efeitos da pós-verdade em sala de aula. Destacou-se na discussão que a escuta pode ser um efetivo dispositivo para que o professor acesse as dúvidas e equívocos dos estudantes sobre o conhecimento científico e sobre a veracidade dos conteúdos produzidos nas redes sociais. Assim, por meio dessa relação qualificada pelo dispositivo da escuta entre professor e estudante, o ensino das ciências como cultura e o letramento digital podem se constituir como possibilidades para tornar os estudantes menos vulneráveis às narrativas da pós-verdade.