Pelos chãos do ecótono Cerrado–Caatinga : os modos de vida camponês e a salvaguarda da socioagrobiodiversidade no Sudoeste do Piauí

Abstract

As estratégias agroecológicas implícitas nos modos de vida ‘camponês’e suas interfaces com a socioagrobiodiversidade nas áreas de ecótono Caatinga-Cerrado ainda são pouco estudadas, e a relevância desse tema intensifica-se ainda mais quando estas são afetadas pelo agronegócio e os demais meios e modos de produção capitalista. Dessa forma, o objetivo central da pesquisa voltou-se para analisar usos, manejo e desafios da socioagrobiodiversidade presente nos agroecossistemas camponeses do sudoeste Piauí, territorializados na fronteira entre os municípios de Redenção do Gurguéia e Curimatá. Buscou-se ainda compreender o papel destas comunidades na salvaguarda de uma área de transição (ecótono) Caatinga–Cerrado, localizada nas proximidades de uma das regiões de expansão do agronegócio no Sul do Piauí, no entorno da Serra Vermelha, caracterizada por um alto índice de biodiversidade. A metodologia adotada na pesquisa é do tipo qualitativa envolvendo levantamento de dados secundários e primários. A coleta de dados primários foi realizada a partir de observação participante, aplicação de entrevistas semiestruturadas, caminhadas transversais e desenhos de agroecossistemas camponeses nas comunidades de Feirinha e Mocambo. A coleta de dados secundários sobre as séries históricas de áreas utilizadas na produção de commodities no Piauí incluiu dados da Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB (2011-2021), do censo agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE, 2017), e dados da plataforma Mapbiomas para acompanhamento das mudanças no uso do solo na região, a partir da produção de commodities. Os dados do Map Biomas e da CONAB atualizaram como ocorre o desmatamento na região de estudo desde os últimos 20 anos, sobretudo, uma expansão da fronteira agrícola, especialmente as áreas de cultivo de soja, que têm sido dobradas no estado desde 2015. Este período coincide com perdas de territórios comunais e cercamentos nas áreas de caatingas e chapadas na comunidade Feirinha, impactando a criação de gado e o extrativismo de frutos do Cerrado, e com a intensificação do uso de insumos agrícolas (fertilizantes químicos, agrotóxicos) na Comunidade Mocambo. Apesar disso, um número total registrado de 79 espécies de plantas cultivadas, 11 animais domesticados, 68 espécies de plantas nativas e 52 animais silvestres estão inclusos ao o recorte da sociogrobiodiversidade contemplados no uso e manejo nos agroecossistemas. Concluiu-se que a expansão do agronegócio e a invisibilidade camponesa são duas questões extremamente desafiadoras para a agricultura familiar camponesa nesta área de ecótono Cerrado-Caatinga, apontado para necessidade de maior integração e fortalecimento da agroecologia na área de estudo, sobretudo, nas comunidades estudadas. Conclui-se ainda que a territorialidade camponesa quando mantém seus modos de vida em diálogo com a agroecologia, nessas comunidades, atuam como uma verdadeira resistência ao agronegócio, e trazem um papel fundamental para salvaguarda do ecótono Cerrado-Caatinga no Sudoeste do Piauí, pela importância da manutenção diversidade biológica local para estes atores, mas também pelas suas contribuições para a perspectiva holística nos agroecossistemas, reconhecendo o potencial endógeno e os regalos da natureza na perspectiva do Bem viver.