A construção da Rota de Integração Latino-Americana e a reestruturação territorial no município de Porto Murtinho/MS

Abstract

A construção de redes de infraestrutura visa, inicialmente, ao adensamento de fluxos logísticos. Em uma conjuntura internacional marcada pelo acirramento de disputas comerciais, os ganhos derivados da redução de custos logísticos representam um potencial acesso a mercados consumidores. No entanto, além desse adensamento, essas redes desempenham funções mais amplas e complexas em relação ao espaço. Oriundos da implantação de objetos técnicos, os sistemas de engenharia representam o modo como a técnica, a ciência e a informação modificam o espaço. Desse modo, a construção da Rota de Integração Latino-Americana (RILA), um Corredor Rodoviário que conectará as duas fachadas oceânicas da América do Sul, entre Brasil, Paraguai, Argentina e Chile, aumentará não somente os fluxos comerciais, mas, também, a circulação e as dinâmicas territoriais entre esses países. Diferentemente dos Corredores de Exportação, que visam facilitar o escoamento, notadamente de commodities, da área de produção até portos marítimos, a RILA tem o potencial de desencadear transformações comerciais, produtivas, sociais e geopolíticas nas regiões que serão conectadas, visto que, por meio do desenvolvimento de redes regionais, nacionais e internacionais, tende a desencadear dinâmicas territoriais que representam as intencionalidades e a projeção de poder de atores de diferentes escalas. Visto que o interior da América do Sul será mais beneficiado pelo acesso bioceânico mais dinâmico, principalmente o Paraguai e o estado brasileiro do Mato Grosso do Sul, os segmentos políticos e econômicos dessas regiões tendem a promover a implantação de fixos a fim de proporcionar maior fluidez aos fluxos produtivos, o que ampliará a competitividade internacional dessa produção, em relação, principalmente, a mercados sul-americanos e àqueles localizados na Ásia e na América do Norte. Nesse contexto, a fronteira entre o Brasil e o Paraguai, notadamente a cidade de Porto Murtinho, no estado brasileiro do Mato Grosso do Sul, apresenta-se como espaço privilegiado de intencionalidades sobrepostas, de poderes e de iniciativas públicas e privadas que forjam novos usos territoriais, devido, principalmente, à fluidez territorial proporcionada pela RILA e pela hidrovia do Paraguai, além da própria condição geopolítica de espaço prioritário à segurança nacional. Com base na metodologia das escalas geográficas de poder e gestão, que proporciona a compreensão dos usos territoriais por atores que integram a sociedade civil, o Estado e o mercado, esta pesquisa analisou as transformações políticas, econômicas e logísticas relacionadas à cidade de Porto Murtinho e arredores, que resultam no processo tendencial de reestruturação territorial nas escalas local e regional, como consequência da implantação da RILA. Pesquisas documentais, entrevistas com representantes de atores relacionados com a construção desse Corredor Bioceânico e coleta de dados e informações na escala local foram essenciais à identificação e à compreensão dos novos usos territoriais desencadeados pela construção da RILA em um espaço considerado, até então, periférico: Porto Murtinho. Embora investimentos públicos e privados tenham desencadeado um processo de crescimento econômico, os novos usos territoriais decorrentes desse processo têm imposto alguns efeitos deletérios, como aumento da desigualdade socioeconômica e da segregação urbana. A recalcitrância da escala local em relação à influência política de outras escalas tem dificultado a mitigação desses efeitos, o que tende a erodir o potencial de desenvolvimento socioeconômico proporcionado pela construção do Corredor Rodoviário Bioceânico.