A clínica psicanalítica com crianças em situação de vulnerabilidade acolhidas institucionalmente

Abstract

O presente estudo procura a partir da experiência clínica em uma instituição de acolhimento para crianças realizar um percurso que atravessa as questões relativas à constituição psíquica do sujeito, as questões específicas do trabalho clínico com as crianças objeto desta dissertação e os conceitos que dão suporte à clínica psicanalítica, sempre pensando nas particularidades da clínica com as crianças acolhidas institucionalmente. Ele teve como ponto de partida as questões vivenciadas no cotidiano do serviço, as dificuldades para o desenvolvimento das intervenções e os impasses frente à escuta psicanalítica nessa instituição. Um dos pontos que provocou o desejo de analisar essas dificuldades relaciona-se à escassez de pesquisas sobre o tema, principalmente no que se refere ao trabalho do psicanalista inserido nos serviços de acolhimento. O objetivo geral da pesquisa é investigar a clínica psicanalítica nas instituições de acolhimento para crianças, sustentada pela metodologia da psicanálise, e seus efeitos, levando-se em conta as diversas manifestações do sofrimento psíquico das crianças e a singularidade de cada sujeito. Os objetivos específicos são os de conceituar teoricamente a clínica psicanalítica nestas instituições, analisar o sofrimento das referidas crianças, os não-ditos e seus efeitos psíquicos e a condição de estrangeiridade que comparece no discurso de algumas crianças atendidas, bem como propor uma articulação teórico-prática do trabalho do psicanalista inserido nas instituições de acolhimento. Para tal, fez-se necessária uma pesquisa bibliográfica sobre a clínica psicanalítica em instituições de acolhimento, procurando analisar as especificidades das intervenções nesse contexto. A fim de articular o trabalho psicanalítico em uma instituição de acolhimento, recorreu-se às teorias de Freud, Lacan e de autores contemporâneos, uma vez que se trata de uma conceitualização capaz de abrir o campo da intervenção psicanalítica fora do consultório tradicional. A partir dessa conceitualização, foi possível pensar a técnica psicanalítica apoiada na ética da falta-a-ser e no desejo do psicanalista. No texto sobre a direção do tratamento, Lacan (1958/1998) nos fala que “tudo aquilo que escuto é por ouvir” (p. 622), ou seja, é na radicalidade da escuta que o psicanalista pode operar onde quer que ele esteja. As intervenções se desenvolveram a partir da construção de um dispositivo clínico de escuta, no qual colocar o corpo como empréstimo para que os fenômenos transferenciais pudessem acontecer se mostrou imprescindível, pois o que estava em jogo era a escuta de um sujeito que muitas vezes se encontrava silenciado diante do sofrimento. A clínica psicanalítica em uma instituição de acolhimento se mostrou possível apoiada na ética da psicanálise, já que se sabe que, se o psicanalista renuncia a ela, as ações viram apenas ações, as palavras permanecem palavras e se perde a especificidade do saber do psicanalista.