Decidindo sobre as “outras” em audiências de custódia : o perfil das custodiadas e dos atores e atrizes judiciais na Bahia

Abstract

O presente trabalho, produzido no âmbito do Programa de Pós-Graduação de Direitos Humanos e Cidadania da UnB, na linha de pesquisa “Políticas Públicas, Movimentos Sociais, Diversidade Sexual e de Gênero, Raça e Etnia”, tem como objeto a observação de Audiências de Custódia na comarca de Salvador (Bahia), de mulheres flagranteadas, no período de outubro de 2022 a março de 2023, dando ênfase aos marcadores sociorraciais e de gênero, tanto das flagranteadas como dos/as atores/atrizes judiciais. Pesquisas empíricas anteriores já demonstraram que a raça é um elemento preponderante quando se analisa a maior vulnerabilidade dos sujeitos à vigilância policial, como também opera na severidade das condenações criminais. Considerando o duplo fenômeno do racismo e do sexismo, e utilizando a interseccionalidade como instrumental teórico-metodológico, pela lente da abordagem categorial, o objetivo da pesquisa foi o de verificar se as diferenças entre perfis sociorraciais das mulheres flagranteadas e dos/as atores/atrizes judiciais produziram discrepâncias nas decisões e no tratamento ofertado durante as Audiências de Custódia. Inicialmente, realizou-se uma etnografia das audiências, com foco na interação entre os/as atores/atrizes judiciais e as custodiadas, privilegiando as corporalidades em cena. Seguiu-se a análise crítica do discurso presente nos Autos de Prisão em Flagrante, atas das audiências e decisões, correlacionando-a com o que não foi registrado documentalmente, mas observado na etnografia. Foi possível identificar que os perfis dos/as atores/atrizes judiciais e das custodiadas são, em regra, opostos. Além dessas discrepâncias interferirem no tratamento dispensado às custodiadas, elas produzem a criminalização prévia de determinadas corporalidades. Verificou-se que a dinâmica das audiências sofreu alterações quando presente uma mulher entre os/as integrantes de órgãos do Sistema de Justiça Criminal. Alterações não foram notadas quando presente um homem negro. Quanto aos documentos produzidos durante ou como resultado das audiências, observou-se uma padronização, sem necessariamente mencionar o fato que gerou o flagrante ou o fundamento para decisão. Diante desses resultados foi possível concluir que, apesar da presença de mulheres entre as atrizes judiciais proporcionar uma mudança positiva no tratamento dispensado às custodiadas, as decisões e posicionamentos tendem a seguir o padrão dos órgãos que as atrizes representam dentro do Sistema de Justiça Criminal.