A verdade pública se constrói no caminho : as comissões da verdade brasileiras como projeto originado na interação entre Estado e sociedade civil

Abstract

Esta tese debruçou-se sobre o caminho de construção da verdade pública que se originou a partir do trabalho simultâneo de comissões da verdade no Brasil. A partir da Lei nº 12.528/2011, o governo federal estabeleceu a Comissão Nacional da Verdade, que foi seguida pelo aparecimento espontâneo de comissões da verdade surgidas nas esferas estadual, municipal e setorial. Esse fenômeno genuinamente brasileiro foi denominado de “comissionismo” pela socióloga Cristina Buarque de Hollanda e pressupõe não apenas a existência de múltiplas comissões funcionando em simultaneidade, mas também uma conduta autônoma dos trabalhos de cada uma delas. Esse panorama rendeu uma questão de origem: como oferecer uma verdade pública sobre o passado da ditadura militar, uma vez que houve uma multiplicidade de organismos investigando e elaborando relatos de forma paralela? Para responder a essa questão, o presente trabalho analisou os relatórios finais de 16 comissões, uma nacional e outras estaduais, estabelecendo “costuras possíveis” entre os temas tratados, as metodologias adotadas e as estruturas disponibilizadas para seus funcionamentos. No contexto, explorou-se a posição do Estado e a complexa relação imposta entre um Estado que se quer reparador dedicado a autoanalisar seu próprio passado repressor ao mesmo tempo em que assume a posição de gerenciador de diferentes vozes no interior dos relatórios. A fim de “costurar” todos os relatórios, mirou-se para a questão das vítimas fatais para compreender as diferentes abordagens sobre essas em dois sentidos: em sua dimensão individual - dedicada a contabilizar o saldo geral de “mortos e desaparecidos políticos” e garantir lugar para suas biografias – e em sua dimensão coletiva e anônima que, para esse caso, foi investigada a partir da aproximação das comissões ao caso de camponeses. Ao passo que essa segunda concepção de vítima se mostrou como um fator novo e quase incontornável por sua incidência nos materiais cotejados, também se evidenciou a dificuldade de incorporação desse público às consideradas “vítimas oficialmente reconhecidas”, mesmo entre os organismos estaduais. Em síntese, de toda a análise ensejada nesta tese, resultou evidente que entre as comissões da verdade brasileiras imperou a polissemia tanto de temas abordados quanto de sentidos atribuídos às matérias investigadas, enquanto também prevaleceu uma constância em relação às temáticas mais clássicas e ao tratamento dispensado a essas.