Álbum de família : interseções entre a obra “Um defeito de cor”, a cidade de Salvador e a mulher negra diaspórica

Abstract

Esta pesquisa traça uma relação entre a corporeidade das mulheres negras diaspóricas no território da cidade de Salvador (BA) e a obra literária Um Defeito de Cor (2006), de Ana Maria Gonçalves. A obra tem o título inspirado na lei escravagista que permitia que pessoas negras e miscigenadas solicitassem que "a deficiência de cor fosse ignorada" se demonstrassem talento ou competência excepcional e foi escolhida como fio narrativo do estudo por ser uma metaficção historiográfica que apresenta a perspectiva de uma mulher negra ao narrar a história de Kehinde, ou Luísa Mahin. Durante o século XIX, Kehinde, de origem africana, ex-escravizada, mãe do advogado abolicionista brasileiro Luís Gama, é retratada no território e no espaço urbano, a partir da narração de experiências religiosas, sociais, políticas, afetivas, e de importantes revoltas abolicionistas ¾ como a Revolta dos Malês e a Sabinada. A pesquisa empregou a metodologia Álbum de Família (SILVA, 2006), a partir de visitas a 12 residências de famílias negras em Salvador, com o total de 28 pessoas entrevistadas e 491 imagens e objetos analisados. Os resultados principais da análise da pesquisa revelam que há áreas de convergência na análise comparativa entre a corporeidade, a relação com o território e o senso de pertencimento de mulheres negras, assim como há desafios e obstáculos enfrentados para que elas vivenciem a cidade em sua plenitude. Essa convergência é observada tanto nas experiências das mulheres negras em Salvador no século XIX, conforme relatado em Um Defeito de Cor, quanto nas narrativas obtidas por meio das entrevistas que realizamos na segunda década do século XXI. Além disso, na pesquisa de campo com os álbuns de família, identificamos uma mudança associada ao aumento do acesso ao território e a uma maior sensação de pertencimento à cidade por parte das mulheres negras. No entanto, evidencia-se que a vivência da corporeidade das mulheres diaspóricas guarda mais semelhanças com aquela do século XIX do que com a da situação atual, em que se apresenta a necessidade de garantir às mulheres negras o pleno acesso aos direitos humanos e ao direito à cidade.