O autismo e o brincar : uma perspectiva histórico-cultural

Abstract

O autismo - sua gênese, desenvolvimento e conceito - é ainda, infelizmente, pouco conhecido pela população em geral. Até mesmo entre os educadores há várias dúvidas a respeito de suas especificidades. Muitos dizem, baseando-se no senso comum, que os autistas são: “crianças com dificuldades de socialização”, “crianças com dificuldades de comunicação”, “crianças que não conseguem trabalhar em grupos”, “crianças que não interagem”, entre outras elaborações. Essas afirmações indeterminadas sobre esse tema constroem um estereótipo sobre o Transtorno do Espectro Autista remetendo à criança com autismo a uma condição avessa à vida relacional, como se a pessoa com autismo estivesse vivendo em um mundo que não é o nosso. Essa forma como o autismo tem sido compreendido, revela, mas, ao mesmo tempo, esconde sua essência - o conhecimento de suas determinações, de suas regularidades, seus modos ser – de agir, de interagir com o mundo dos objetos e com o mundo das pessoas. Fundado nesta problemática, nossa pesquisa teve a intenção de compreender o papel do brincar no desenvolvimento de crianças com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), sob duas linhas de investigações: 1. Investigação teórica acerca dos fundamentos que explicam os processos de desenvolvimento infantil na perspectiva da Teoria Histórico-cultural, estabelecendo mediações, com as especificidades do desenvolvimento de crianças com autismo e, 2. Investigação de ações de crianças com autismo em situação de brincadeira, em sala de aula. Para tanto, criamos o Projeto Brincando e Aprendendo na Faculdade de Educação Física (FEF) da Universidade de Brasília (UnB). O método de investigação foi baseado na forma com a qual Vigotski estudou a gênese e o desenvolvimento histórico-cultural das funções psicológicas superiores e das condutas humanas, sob a base dos fundamentos do método materialista histórico e dialético. As descobertas a que chegamos nesta investigação que se dirigiu à atividade brincante de crianças com autismo, podem contribuir, significativamente, para uma maior compreensão dos processos internos e externos que orientam as ações e as operações de crianças com autismo nas relações que estabelecem com os objetos e fenômenos da realidade objetiva, na brincadeira. Em nosso estudo de caso, constatamos pela análise das ações e operações da criança com autismo investigada que podemos ter acesso em alguma medida à forma como ela se exterioriza na brincadeira, quando se apresenta insuficiente o desenvolvimento da linguagem. Quando o desenvolvimento da linguagem se apresenta insuficiente, a criança apresenta dificuldades em realizar as ações e operações necessárias ao desenvolvimento da brincadeira, mas que, ao mesmo tempo, é a atividade brincante que promove de maneira intensa a transformação dessa condição. Descobrimos, por meio do estudo da formação de conceitos que a brincadeira se realiza nas bases das fases mais desenvolvidas das formas de pensamento por complexos (coleção, cadeia, difuso e pseudoconceito). No processo de investigação criou-se uma estrutura pedagógica potente de promoção de desenvolvimento dos significados específicos e das condutas culturais do acervo histórico-genérico da cultura corporal (o espaço estruturado). O autismo, neste contexto, foi investigado, rigorosamente, à luz de um sistema conceitual que o situa em uma perspectiva crítica. Com isso, o estudo desenvolveu uma metodologia sob a base dos fundamentos da Concepção Pedagógica Crítico-Superadora da Educação Física, no que se refere à apropriação das formas de atividade da cultura corporal – o significado, o sentido, as ações e as operações durante a realização da atividade.